Você já reparou o quanto a vida não obedece as nossas ideias sobre ela? O quanto a vida desafia e chacoalha constantemente as nossas concepcções rígidas sobre as pessoas, as situações e o mundo? Lama Elizabeth Mattis Namgyel costuma usar a frase “Life bursts from the seams of our ideas” para explicar o fato de que a vida não cabe nas nossas teorias sobre ela.
Em conversa com Lia Beltrão e Gustavo Gitti, refletindo sobre como traduzir essa frase, chegamos à seguinte possibilidade de tradução: “A vida arrebenta a costura de nossas ideias.” Que forma feliz Lama Elizabeth encontrou para explicar o fato de que não conseguimos encaixotar a realidade – as pessoas, as situações, o mundo, enfim, tudo o que nos cerca está sempre transbordando para fora das nossas teorias e suposições sobre como as coisas deveriam ser. Nossas costuras são frágeis e não dão conta de conter o dinamismo da realidade.
Isso parece abstrato e teórico, mas é totalmente prático. Observe com atenção aquela pessoa que você eventualmente rotulou como limitada, estreita e superficial. Quando você menos espera, essa mesma pessoa se manifesta de um modo mais amplo, inteligente e até mesmo profundo. Talvez ela encontre uma solução criativa para um problema no trabalho, talvez ela seja a única pessoa da mesa a não ser reativa naquela discussão familiar acalorada. Nesse momento, se você estiver atento, você percebe e se surpreende com o fato de que o rótulo de “pessoa limitada e estreita” não serve mais, ou melhor, provavelmente nunca tenha servido. Você é obrigado a rever a sua ideia sobre aquela pessoa. Você percebe que seu rótulo sobre ela talvez só tenha tido uma validade momentânea, já não define mais a pessoa e, de fato, nunca a definiu por completo.
Podemos imaginar o contrário: uma pessoa que você concebeu como totalmente maravilhosa e admirável. Se você chegar bem perto dessa pessoa, conhecerá facetas dela não tão maravilhosas assim, facetas que não cabem naquilo que suas ideias consideram admirável. E agora, o que você faz com essa pessoa que se tornou ambígua? Como seguir se relacionando com alguém não encaixotável?
Gosto muito do quadrinho abaixo do Alex Noris em que ele brinca com o fato de que até mesmo o nosso ódio por alguém é desafiado pela realidade de que a outra pessoa eventualmente vai nos surpreender e não se mostrar tão odiosa assim.
Não adianta, a vida está sempre arrebentando a costura de nossas ideias e sendo bem mais imprevisível e surpreendente – para o bem ou para o mal – do que conseguimos imaginar. A gente tenta resistir e sustentar nossas teorias e suposições sobre as coisas, mas a vida fica constantemente esfregando na nossa cara que é melhor soltar as bandeiras antecipadas e rígidas e que a abertura interna diante de cada situação é bem mais inteligente, precisa, eficaz e criativa do que a travada sombra das nossas concepções prévias e arbitrárias.