Esses dias estava me despedindo de um amigo e um mendigo o abordou e pediu por alguns trocados. Meu amigo disse que não tinha nada. Eis que o mendigo olha bem atento para o meu amigo e diz: tem sim, você sempre tem atenção para dar.
Quanta dignidade. É isso: por mais que não tenhamos nada material para oferecer em dado momento, nós sempre podemos oferecer um olhar e uma presença atenta. Lembro do Lama Samten dizendo para não perdermos a oportunidade de fazer conexão através do olhar quando oferecemos algo nas ruas, dando um nascimento positivo com os olhos, com atenção genuína.
Embora o mendigo tivesse claramente necessidades materiais urgentes, ele nos lembrou do recurso interno que todos nós temos para oferecer, independente da condição material: atenção. Logo ele, alguém tão privado de recursos externos e ao mesmo tempo tão consciente do recurso interno da atenção.
Todos nós sentimos o calor e o conforto de estar com um interlocutor atento e presente. E também conhecemos bem o desconforto e a desconexão que surgem na presença de pessoas que, no fundo, parecem que não estão de fato ali, não estou nos ouvindo muito menos nos vendo. Quem não murcha quando percebe que seu interlocutor não está atento à conversa, e ainda mais quando está no celular?
Imagem de André Dahmer
Pesquisas mostram que os bebês que não recebem atenção de qualidade de seus cuidadores têm até mesmo seu desenvolvimento físico negativamente impactado. Parece que nós adultos não somos diferentes. Oferecer e receber atenção é nutritivo para nossa saúde mental.
É verdade que não podemos esperar do mundo que nos dê atenção o tempo todo. Além de não sermos mais crianças, nós somos humanos e humanos são seres erráticos cuja atenção está mais fragmentada do que nunca. Além disso, estamos boa parte do tempo autocentrados, dando atenção apenas a nós mesmos, e mesmo as pessoas a quem mais queremos dar atenção acabamos muitas vezes negligenciando.
Mais uma vez o genial André Dahmer nos servindo de espelho
E se nos aventurarmos a localizar e usufruir com mais clareza desse recurso interno da atenção? E se formos generosos e começarmos a perceber que já temos o melhor presente possível para darmos uns aos outros? Não seria maravilhoso?! Já temos aquilo que todo mundo quer ganhar! E se começarmos a de fato oferecer mais atenção uns aos outros? Certamente nossos relacionamentos – amorosos, profissionais, familiares – ganhariam muito. A efetividade de qualquer coisa que estejamos fazendo será naturalmente potencializada com mais atenção, porque atenção é um dos ingredientes básicos para fazer qualquer coisa florescer.
“O melhor presente que podemos dar ao outro é a nossa atenção”.
– Lawrence Freeman
Eu já assisti a esse vídeo dezenas de vezes e sempre me impressiono com o modo como Lawrence Freeman consegue resumir em 2 minutos tantos pontos importantes sobre a atenção. Pelo nosso hábito autocentrado, quando falamos do cultivo da atenção, é comum pensarmos em algo como o aumento da produtividade no trabalho que viria do aumento do foco da atenção, por exemplo. E isso é bem verdade, acontece. Mas, como Lawrence fala nesse vídeo, o principal benefício do cultivo da atenção vai muito além desse ganho em termos de produtividade e está mais ligado à transformação da qualidade da nossa presença nas relações. Não é maravilhoso? Temos internamente o ingrediente necessário para tornar nossas relações mais significativas e prazerosas: nossa atenção.
Finalizo com uma aspiração: que possamos reconhecer o precioso valor da atenção nas nossas interações, cultivá-la e oferecê-la cada vez mais em qualquer interação que tivermos no cotidiano. Todas as pessoas e seres envolvidos se sentirão beneficiados, tanto os que oferecem e como os que recebem atenção.
Algumas recomendações:
Se você quiser refletir e aprender mais sobre o tema da atenção, recomendo muito esse primoroso livro do escritor Alex Castro chamado “Atenção.”
Seguem alguns trechos dos quais gosto muito:
“Praticamos atenção não para vivermos vidas melhores, mas para que as pessoas que precisam conviver conosco vivam vidas melhores: para que não precisem conviver com pessoas irascíveis e mesquinhas, egocêntricas e defensivas”.
“Praticamos atenção não por nós mesmas: não para sermos pessoas melhores, mais respeitadas, mais produtivas, mais bem-sucedidas (existem maneiras mais fáceis e mais eficientes de fazer tudo isso), mas para sermos pessoas melhores para as outras pessoas”.
“No nosso dia a dia, temos poucas oportunidades práticas de ativamente não estuprar e não roubar, não torturar e não cometer genocídio. Não matar não é uma decisão consciente que tomo todo dia e da qual posso ter orgulho. Somente não estuprar não faz de mim uma pessoa boa. Mas e se o mal for a falta de atenção? Os olhos cegos e os ouvidos moucos? O egocentrismo e o autocentramento? Talvez o mal seja um honesto pai de família que não enxerga nada a sua volta, que não vê a esposa insatisfeita e desesperada, as filhas confusas e autodestrutivas, a sócia abrindo a garrafa de uísque cada vez mais cedo. O mal é arrancar Anne Frank do sótão, mas também pode ser cruzar todo dia pelo porteiro com o braço engessado e nunca perguntar, nunca se preocupar, nunca nem reparar. O mal é ser dono de uma fazenda com duzentas pessoas escravizadas, mas também pode ser relaxar do longo dia de trabalho curtindo um filme, depois de um belo jantar feito por minha irmã, e nunca me passar pela cabeça que ela teve um dia igualmente longo de trabalho, ainda por cima fez o jantar e agora está sozinha tirando a mesa e lavando a louça, e ainda perdendo a chance de ver o filme! E se o mal for aquilo que sinceramente não me ocorre, que realmente não enxerguei, que juro que não ouvi, que não sei como fui esquecer?”
Aqui a transcrição do vídeo do Lawrence Freeman. Vale contemplar cada linha.
“Atenção é a essência de ser humano. Todo casamento, toda amizade, todo relacionamento é construído por meio dessa qualidade de atenção. Se você falhar em prestar atenção, se você não pode prestar atenção, o relacionamento sofre. Se estamos engajados em um trabalho, um projeto, ou uma atividade criativa de qualquer tipo, você precisa prestar atenção a ele, ou não será um bom trabalho. Então, atenção é realmente a essência. Na verdade, foi o Alan Wallace que me contou sobre algo que William James falou: “A realidade é aquilo em que colocamos a nossa atenção.” E a atenção, temos que dizer isso, nós vivemos em uma cultura autocentrada, narcisista, consumista, focada em desejos pessoais e suas gratificações. Então, nós temos que perceber que a atenção é, em última instância, centrada no outro. Nós desenvolvemos atenção para que possamos focá-la não só em mim, mas no outro. E todo o artista sabe disso, você presta atenção ao trabalho que está fazendo. Toda a pessoa que está apaixonada sabe que o que você faz quando está apaixonado é colocar sua atenção na pessoa amada. Então, isso é importante para o desenvolvimento completo do ser humano, que aprendamos a ter compaixão , e nossa capacidade de amar vem direto dessa qualidade da atenção. Eu acho que é importante perceber que isso é um presente. Ao prestar atenção a uma outra pessoa, o que você está dando a ela? Você não está dando dinheiro, você está doando a si mesmo. E o que acontece quando você se dá a outra pessoa? Quando damos a nossa atenção genuinamente a outra pessoa, estamos dando a nós mesmos. E esse é o melhor presente que podemos dar, porque quando recebemos o presente de outra pessoa, você é enriquecido imensuravelmente, e você também é empoderado a dar a si mesmo, e inspirado a dar você mesmo.”
Por fim, não poderia deixar de recomendar o livro “Revolução da Atenção” do professor Alan Wallace, que traz explicações detalhadas sobre as práticas budistas que nos ajudam a refinar a qualidade da nossa atenção.
Seguem alguns trechos do livro:
“Cada um de nós escolhe, pela nossa maneira de prestar atenção às coisas, o universo que habita e as pessoas que encontra. Mas, para a maioria de nós, esta “escolha” é inconsciente e, portanto, não é de fato uma escolha. Quando pensamos acerca de quem somos, possivelmente não conseguimos recordar de todas as coisas que já vivemos. O que nos vem à mente quando perguntamos “Quem sou eu?” consiste das coisas que prestamos atenção no decorrer dos anos. O mesmo acontece com as nossas impressões acerca de outras pessoas. A realidade que se nos apresenta não é tanto aquilo que está lá fora, mas sim aqueles aspectos do mundo nos quais focamos nossa atenção.”
“Quando a mente está sujeita aos desequilíbrios da atenção, é como se o sistema imunológico psicológico estivesse comprometido, podendo ser facilmente dominada por todos os tipos de aflições mentais. “
“Uma mente focada pode ajudar a trazer a fagulha da criatividade para a superfície da consciência. Uma mente que divaga constantemente, de uma distração para a outra, por outro lado, pode ser afastada do seu potencial criativo”.
“Um dos maiores benefícios de uma capacidade atencional potente é a habilidade de cultivar qualidades positivas com êxito. Com a poderosa ferramenta da atenção focada, podemos abandonar maus hábitos antes intratáveis, tais como comportamentos de dependência, emoções ou pensamentos nocivos e adotar hábitos saudáveis”.